sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

ARTIGO - O STF e a saúde pública

 
* Arnaldo Jordy
      
O Sistema Único de Saúde, o SUS, é resultado direto das conquistas da Constituição de 1988, a carta cidadã que consagrou o fim do período de exceção e a volta da democracia em nosso país. Sua cobertura de saúde universal é um exemplo para o mundo e nobre é a sua missão de garantir acesso integral e igualitário aos serviços de saúde a toda a população, sejam ambulatórios, sejam complexos transplantes de órgãos, aliás, um desafio único no mundo em países da dimensão do Brasil. 
   
Por isso, é motivo de comemoração a decisão do Supremo Tribunal, após quase 20 anos de indefinição jurídica, a favor do ressarcimento ao SUS pelos planos de saúde, quando seus associados têm que ser atendidos pelo sistema público de saúde, por falta de cobertura dos planos empresariais.
   
De acordo com o Ministério da Saúde, o SUS deixou de receber até agora R$ 5,6 bilhões das empresas de planos de saúde, valores que eram alvo de questionamentos judiciais. Por causa da insegurança jurídica, mesmo que a devolução já seja autorizada, as operadoras de planos de saúde sempre questionam os valores nos tribunais. Em 2017, de R$ 1,1 bilhão cobrado por prestação de serviços a usuários de planos de saúde, foram pagos somente R$ 458 milhões. O restante era objeto de contestação judicial.
   
Esse dinheiro faz falta no financiamento do SUS, que já recebe menos recursos do que deveria. O problema foi constatado em 2014 pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, que visitou oito hospitais de urgência da rede pública, entre eles, o Hospital de Pronto Socorro Municipal Mário Pinotti, em Belém. Fui o relator dessa comissão e concluímos que o SUS sofre com problemas estruturais que ferem a dignidade e os direitos da população, causados pelo subfinanciamento e pela falta de prioridade dada ao setor.
   
Naquela ocasião, constatamos que o Ministério da Saúde deixou de aplicar mais de R$ 100 bilhões no SUS ao longo em 13 anos e que só 11% das ações previstas no Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2) para a Saúde haviam sido concluídas desde 2011. Também constatamos a falta de quase 200 mil leitos hospitalares no país. É um problema grave que só piora ao longo do tempo, entre outras situações, pela falta de ressarcimento dos planos de saúde ao SUS. Naquela ocasião, a estimativa foi de que 25% dos atendimentos nas urgências do sistema público fossem de usuários de planos de saúde.
   
É comum que as operadoras vendam planos muito caros, especialmente para pessoas idosas, e depois empurrem esses pacientes para a rede pública para realizar determinados procedimentos, como a hemodiálise e outros, que são caros, sem reembolsar o SUS, cujas cobranças feitas pela ANS são contestadas judicialmente. Agora, todas essas despesas terão que ser ressarcidas sempre que ficar comprovado que havia cobertura do plano para o procedimento realizado pelo SUS. Os recursos vão para o Fundo Nacional de Saúde.
   
No mesmo julgamento, o STF tomou outra decisão positiva, ao manter a definição de que o aumento do preço do plano de saúde em razão da idade do usuário só poderá ser feito quando previsto no contrato inicial, que deverá trazer os porcentuais de reajuste para cada faixa etária, conforme norma já definida pela Agência Nacional de Saúde. Desse modo, o usuário não será surpreendido por um aumento inesperado tão logo complete determinada idade.
  
É fato que ainda falta muito para que o SUS seja o sistema de saúde ideal, que todos nós queremos, o que depende da boa aplicação do dinheiro dos nossos impostos em um estrutura que deveria ser satisfatória para atender a quem precisasse, sem a necessidade que grande parte da população tem de precisar pagar um plano de saúde. É preciso também resistir à imposição de um modelo de saúde totalmente privatizada, no qual quem não tem dinheiro suficiente para pagar um plano de saúde caro está condenado a morrer sem atendimento, como ocorre em muitos países até mais ricos que o nosso. Precisamos, sim, valorizar e defender o SUS, assim como a educação pública e tudo que recebe o valor suado dos nossos impostos, para que tenham a qualidade que a população brasileira merece.
    
   
* Arnaldo Jordy é deputado federal - PPS/PA
   
  

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