sexta-feira, 5 de maio de 2017

ARTIGO - Lava Jato ameaçada

  
Arnaldo Jordy *
    
Começou a acontecer o que já se previa desde que a Operação Lava Jato mostrou-se eficiente e implacável com os crimes do colarinho branco, colocando atrás das grades políticos de prestígio, como os ex-ministros José Dirceu e Antônio Palocci, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, além de alguns dos empresários mais ricos do Brasil, com Marcelo Odebrecht e Eike Batista. Forças agem para enfraquecer a investigação e a punição aos culpados, com interferências no trabalho dos procuradores e juízes da operação, sob o pretexto de que o Sérgio Moro estaria cometendo exageros nas prisões preventivas, consideradas muito prolongadas.
  
No Supremo Tribunal Federal, cresce a pressão para libertar os presos provisórios da Lava Jato, mesmo os já condenados, para que possam recorrer em liberdade. José Dirceu, por exemplo, já condenado pelo juiz Sérgio Moro a 32 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa no âmbito da Lava Jato, tem direito a recorrer em liberdade. Mas o que justifica a prisão preventiva do ex-ministro é a sua capacidade de recorrer à prática criminosa, inclusive interferindo contra a Justiça. José Dirceu continuou a cometer os mesmo crimes depois de condenado no mensalão e após a prisão.
   
Na última terça-feira, o procurador Deltan Dallagnol divulgou nova denúncia, tornando público que o ex-ministro teria recebido R$ 2,4 milhões em propina durante a sua condenação no Mensalão. Apontado como o chefe da organização criminosa, José Dirceu teria continuado a agir no submundo da corrupção até ser preso novamente. O ministro Gilmar Mendes, no entanto, fez questão de desautorizar de forma veemente, com palavras duras, a intenção dos procuradores da Lava Jato de emitir a nova denúncia, pelo fato da iniciativa ter sido tomada no dia em que o Supremo votaria um habeas corpus em favor do ex-ministro.
   
A decisão foi tomada com maioria de três a dois na 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, com votos favoráveis à soltura de José Dirceu dados pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, e votos contrários do decano Celso de Mello e do relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin. O entendimento da 2ª Turma é de que não há risco de cometimento da prática de novos delitos e que, agora, José Dirceu só poderá ser preso após a condenação em segunda instância.
   
Essa decisão era aguardada no mundo jurídico, em especial, pelos advogados dos réus, que agora, irão pedir o mesmo tratamento aos seus clientes que estão presos, e que não foram condenados em segunda instância. O primeiro efeito deste “afrouxamento” do STF já foi produzido. O ex-ministro Antônio Palocci, que recentemente havia demonstrado interesse em delatar o que sabe, depois dessa decisão, reconsiderou a questão, imaginando a possibilidade de ser solto.
   
Só não contava com a decisão tomada logo em seguida pelo ministro Edson Fachin, na última quarta-feira, que confirmou seu entendimento sobre a matéria e negou o pedido de Palocci monocraticamente. E mais, decidiu também levar o caso ao plenário da corte, para que o conjunto dos ministros do STF tome a decisão final. Com isso, existe a expectativa de que o pleno possa revisar a interpretação dada pela 2ª Turma. Não seria estranho que o encontro do ministro Gilmar Mendes com o deputado Arlindo Chinaglia, do PT, em um hotel em Portugal, em imagem que “viralizou” na Internet, estivesse produzindo seus efeitos.
   
Os jovens que, na avaliação do ministro Gilmar Mendes, fizeram uma brincadeira juvenil, desmontaram um dos maiores esquemas de corrupção do mundo, como já é reconhecido, pelos tentáculos que lançou sobre outros países da América Latina. A Lava Jato não é, de maneira alguma, brincadeira de criança. A operação precisa ser incentivada para continuar a denunciar e cobrar a punição de envolvidos. Sem desmerecer as razões de ordem jurídica que o Supremo tinha para conceder o habeas corpus, não considero que este seja o momento adequado para a soltura dos agraciados com habeas corpus, porque isso, na verdade, fragiliza a Lava Jato.
   
Da mesma maneira, também ganhou liberdade o empresário Eike Batista, metido até o pescoço na corrupção que afundou o estado do Rio de Janeiro; o pecuarista José Carlos Bumlai, que emprestou dinheiro ao PT em troca de favorecimento no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e era muito próximo do ex-presidente Lula; e o ex-tesoureiro do PP João Cláudio Genu.
   
Não podemos esquecer, para sermos justos, que segundo o Conselho Nacional de Justiça, temos 211 mil presos provisórios no Brasil e segundo o mesmo CNJ, em torno de 30% desses presos provisórios, ao final, são absolvidos pela Justiça, o que significa mais de 60 mil presos no sistema carcerário que mereceriam o mesmo tratamento dado a José Dirceu. Esse é um desafio da Justiça brasileira.
   
  
* Arnaldo Jordy é deputado federal, líder do PPS na Câmara
  
  

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