sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

ARTIGO - O velho Brasil esperneia contra a Lava Jato

  
* Arnaldo Jordy
  
Depois de um dia inteiro de luto, na terça-feira, 29, quando o Brasil chorou a morte de 81 pessoas no voo que levava o time da Chapecoense para a final da Copa Sul-Americana, na Colômbia, os brasileiros tiveram outro susto na quarta-feira, 30, ao descobrir que durante a madrugada, a Câmara dos Deputados havia desfigurado o projeto das Doze Medidas contra a Corrupção, incluindo destaques com o fim de frear as investigações da Operação Lava Jato.
  
Legislando na contramão do clamor social, a maioria dos partidos e dos parlamentares decidiu apoiar um destaque apresentado pelo PDT, contra o abuso de autoridade, mas cujo objetivo é outro, intimidar os juízes e promotores que estão promovendo a maior devassa nas relações promíscuas entre empreiteiros e políticos, tendo já condenado mais de uma centena de pessoas. 
  
A Lava Jato já produziu 1.397 procedimentos, 654 buscas e apreensões, 174 conduções coercitivas, 77 prisões preventivas, 92 prisões temporárias e seis prisões em flagrante. Foram firmados 70 acordos de colaboração premiada com pessoas físicas e seis acordos de leniência, que resultaram em 52 acusações criminais contra 245 pessoas, sendo que 23 já foram sentenciados por crimes como corrupção, crimes contra o sistema financeiro internacional, formação de organização criminosa e lavagem de dinheiro, entre outros. Também já pediu o ressarcimento, incluindo multas, de R$ 38,1 bilhões. Outros R$ 2,4 bilhões foram bloqueados dos réus. Somente os crimes já denunciados envolvem o pagamento de propinas de cerca de R$ 6,4 bilhões, sendo que R$ 3,1 bilhões são alvo de recuperação por acordos de colaboração, sendo R$ 745,1 milhões objeto de repatriação. Até o momento, são 118 condenações, contabilizando 1.256 anos, seis meses e um dia de pena.
  
A população tem acompanhado tudo isso e sabe que a Lava Jato é o Brasil que funciona. É o Brasil que quer sair do atraso, do compadrio, do toma-lá-dá-cá, do jeitinho, dos 10%. É o Brasil que rejeita o Mensalão e o Petrolão.
  
Estamos na quarta colocação mundial entre os países mais corruptos, segundo o ranking do Fórum Econômico Mundial, divulgado em outubro deste ano. São mais de 150 bilhões desviados anualmente, que deveriam ser gastos com escola, saúde, emprego etc. Há um clima de intolerância contra a impunidade e a corrupção. Mas parece que muitos parlamentares não estão convencidos disso.
  
Não estamos aqui condenando a Câmara por fazer seu papel de legislar, inclusive modificando o texto original de projetos. Foi isso que fez com afinco a Comissão Especial designada para apreciar as Dez Medidas contra a Corrupção, apoiadas por dois milhões de brasileiros, que assinaram a iniciativa, em quatro meses de debates, com a participação de todos os partidos. Mais de 50 especialistas foram ouvidos. Seu relatório, transformado nas Doze Medidas, foi aprovado à unanimidade. O que causa estranheza é o plenário, em ato contínuo, ter desfigurado o projeto aprovado por unanimidade na Comissão Especial, representada por todos os partidos. Só duas das doze propostas foram mantidas. Nove sofreram alteração. 
  
Deixo claro aqui que não sou, em hipótese alguma, favorável abuso de autoridade. Ninguém em sã consciência o seria. Apenas, não podemos concordar com o casuísmo dessas proposições, em um momento de embate entre parlamentares investigados ou sob suspeita e a própria Lava Jato, com o intuito de intimidar os procuradores e juízes e colocar um ponto final nessa investigação que vem passando o Brasil a limpo. Também quero que maus promotores e maus juízes sejam punidos ao cometer abuso, mas isso precisa ser discutido separadamente, apropriadamente, num debate nacional, com audiências públicas, com todos os lados envolvidos, pesando-se os diferentes argumentos, porque não se pode comprometer a independência do ato de julgar.
  
Não se pode discutir o abuso de autoridade por juízes e membros do Ministério Público de forma açodada, de contrabando, numa lei que visa combater a corrupção. O foco é outro. Por isso, esperamos que o Senado, após a mobilização da sociedade, a pressão da opinião pública e as manifestações que vão ganhar as ruas e praças do Brasil, consiga reverter as alterações indevidas feitas na Câmara, de modo a resgatar o sentido original das Doze Medidas contra a Corrupção, que receberam dois milhões de assinaturas de apoio nas ruas de todo o Brasil, ao longo de 2015, justamente para ajudar a acabar com a corrupção, não para servir ao esperneio dos corruptos, daqueles apegados a um velho Brasil.
  
Caso o Senado insista em manter desfiguradas as medidas contra a corrupção, esperamos que o presidente Michel Temer tenha o bom senso de vetá-las. Caso contrário, será preciso recorrer ao Supremo Tribunal Federal, para questionar a constitucionalidade de medidas que possam prejudicar esse importante momento do combate à corrupção no país.
  
   
* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS/PA
     
  

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