sexta-feira, 9 de setembro de 2016

ARTIGO - As “tenebrosas transações” de Belo Monte

  
* Arnaldo Jordy 
  
Quem, como eu, tem denunciado os acontecimentos pertinentes à construção da Usina de Belo Monte comemorou, na semana passada, a notícia de que a Justiça Federal suspendeu a licença de operação da hidrelétrica, em decorrência do atraso no cumprimento das chamadas condicionantes. As obras e serviços teriam que ser feitas para mitigar os transtornos da população atingida por mais este enclave na Amazônia. Uma obra faraônica no meio da floresta que agravou nossos problemas sociais e destruiu o meio ambiente para atender, em parte, aos interesses do restante do país, sem nada contribuir para o nosso desenvolvimento.
   
Não é à toa que, o Ministério Público Federal já propôs 26 ações judiciais contra a Usina de Belo Monte, em razão de obrigações descumpridas pela construtoras desde 2010, especialmente relacionadas às populações indígenas e ribeirinhos.
   
Em audiência pública em Altamira, a 25 de agosto, entreguei pessoalmente à presidente do Ibama, Suely Araújo, documento solicitando a suspensão da licença de operação, para forçar a Norte Energia a cumprir com o que foi acordado com Ibama e a população paraense, como a conclusão das obras de saneamento, por exemplo. Até hoje, grande parte da população remanejada por causa do projeto sofre com a falta de abastecimento de água. O hospital construído na cidade ainda não funciona por falta de equipamentos.
   
Construída para gerar 11 mil megawatts de energia para abastecer o sistema interligado nacional, Belo Monte atraiu mais de 30 mil trabalhadores a Altamira, fazendo explodir os indicadores de problemas sociais, além de prejudicar nove povos indígenas, mas não foi capaz de levar energia a todos os paraenses, por exemplo. Ainda pagamos a 2ª mais cara tarifa na conta de luz, por conta da baixa densidade demográfica do Pará, e a nossa grande Extensão territorial.
   
Mas Belo Monte teve ainda outra consequência nefasta e revoltante, que soa como sarcasmo para quem acompanha o sofrimento da população sem água potável e que vive em casas de péssima qualidade construídas para as famílias remanejadas para a construção da usina: foi a fonte da propina que abasteceu as campanhas de velhos “caciques” do PMDB desde 2010, e do PT. Como revelado, mais uma vez, esta semana, pelo jornal “Folha de S. Paulo”.
   
Enquanto a floresta era derrubada e a Volta Grande do Xingu era destruída, Jader Barbalho, Romero Jucá, Renan Calheiros e Valdir Raupp, com a cobertura do então ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, dividiam a propina paga pelas empreiteiras em forma de doação eleitoral aos diretórios do PMDB, indica relatório da Polícia Federal, ao qual o jornal teve acesso.
   
De acordo com a Folha, a Polícia Federal já tem indícios de que o PMDB e seus senadores receberam propina das empresas que construíram a usina de Belo Monte, por meio de doações legais, segundo relatório que integra o inquérito que corre no Supremo Tribunal Federal (STF).
   
Um dos indícios é o volume de contribuições que o PMDB recebeu das empresas que integram o consórcio que construiu a hidrelétrica: R$ 159,2 milhões nas eleições de 2010, 2012 e 2014, na soma das doações oficiais de nove empresas que integram o consórcio construtor de Belo Monte, para o diretório nacional, diretórios estaduais e comitês financeiros do partido.
   
Para se ter ideia dessa montanha de dinheiro, é mais que o dobro do que todas as empreiteiras envolvidas na Lava Jato doaram à campanha de Dilma Rousseff em 2014.
   
Convocado a meu pedido pela CPI do BNDES, o ex-presidente da Construtora Camargo Corrêa, Dalton Avancini, declarou que a construção de Belo Monte serviu para o pagamento de propina ao PT e ao PMDB.
   
Depois disso, o ‘propinoduto’ de Belo Monte já foi citado por uma série de delatores da Lava Jato, como o ex-presidente da Andrade Gutierrez Otávio Marques de Azevedo, que revelou aos procuradores que o consórcio que fez a obra da usina teve de pagar suborno de 1% sobre o valor do contrato, de R$ 13,4 bilhões. Segundo essa versão, o suborno seria de R$ 134 milhões. Outro delator, Flávio Barra, da AG Energia, afirmou que boa parte da propina foi paga por meio de doações oficiais ao partido.
   
O ex-líder do governo Dilma no Senado, Delcídio do Amaral, também revelou que os quatro senadores peemedebistas comandavam esquemas de desvios de empresas do setor elétrico, e que os quatro receberam as maiores contribuições de suas campanhas não de empresas, mas do PMDB.
   
Vamos agora esperar a conclusão do inquérito e o desenrolar do processo no STF. Quem prejudica a população mais pobre da Amazônia em troca de propina tem que pagar pelos seus crimes. O discurso da urgência em atender os interesses do país, construindo a maior obra do PAC, com a finalidade de equilibrar a oscilante matriz energética brasileira, era só uma fachada para o “propinoduto” que beneficiava o PT e o PMDB, ou, como diz a letra do ilustre Chico Buarque, enquanto “dormia a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída, em tenebrosas transações”.
   
  
*Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS/PA
  
  

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