quinta-feira, 13 de junho de 2013

Brasil luta para evitar que tráfico de pessoas vire tendência

 
Do Deutsche Welle
Por Astrid Prange de Oliveira
 
Desenvolvimento econômico e proximidade de eventos esportivos atraem refugiados não só dos vizinhos da América Latina, como também da Ásia. Muitos acabam reféns de condições de trabalho análogas à escravidão.
 
O crescimento econômico do Brasil não atrai apenas os migrantes dos vizinhos latino-americanos, mas também os asiáticos. E não só por uma boa causa. O país vem se tornando, rapidamente, um centro de tráfico internacional de pessoas para trabalhar em situação análoga à escravidão. Recentemente, uma quadrilha de tráfico humano, que aliciava pessoas de Bangladesh, foi desarticulada pela Polícia Federal perto de Brasília.
 
A libertação de 80 bengalis em Samambaia, nos arredores de Brasília, mostra uma face obscura frente à ascensão e domínio político e econômico da região. "É a primeira vez que são encontrados trabalhadores forçados de Bangladesh aqui", diz o presidente da CPI do Tráfico de Pessoas, Arnaldo Jordy (MD/PA), em entrevista à DW. "Estamos preocupados".
   
A inserção do maior país da América Latina no lucrativo tráfico mundial de pessoas ocorreu de forma gradual e passou quase despercebida pela opinião pública. Em 1995, o governo federal iniciou o combate ao tráfico de pessoas e trabalho escravo. Desde então, segundo dados oficiais, 44 mil pessoas foram libertadas de situações análogas à escravidão no país.
 
Nos últimos anos, com os grandes eventos esportivos como vitrine, o trabalho forçado foi mais internacionalizado – e também mudou do interior para os grandes centros urbanos. Atualmente, a exploração ilegal ocorre, principalmente, na construção civil e na indústria têxtil.
 
Em declarações à Agência Brasil, o diplomata Rodrigo do Amaral Souza, diretor do Departamento de Imigração e Assuntos Jurídicos do Itamaraty, disse que a preocupação atualmente está em conter os "coiotes" (como são chamados os traficantes de pessoas) e regularizar a situação dos imigrantes.
 
O tráfico de pessoas parece ser rentável – os 80 bengalis descobertos pela Polícia Federal teriam pago até 10 mil dólares para chegar ao Brasil, com a promessa de ganhar entre 1.000 e 1.500 dólares por mês.
  
Amazonas como porta de entrada
  
A maioria dos imigrantes chega pelo Norte do país, ao longo da fronteira com Bolívia, Peru e Guiana. Em Assis Brasil, cidade que faz fronteira com o Peru, já chegou a ser necessária uma intervenção militar após os 7 mil moradores se depararem com a chegada de inúmeros refugiados haitianos. A lista de países de origem dos refugiados é longa: além do Haiti, os imigrantes vêm de Bolívia, Equador, Peru, Paraguai, República Dominicana, Senegal, Nigéria, Sri Lanka, Paquistão e Bangladesh.
   
O Amazonas é apenas rota de passagem para a maioria deles, que buscam trabalho nas regiões metropolitanas com mais oportunidades de emprego. De acordo com as estimativas da ONG Repórter Brasil, a grande São Paulo é o destino final de 300 mil imigrantes ilegais da Bolívia, 70 mil do Paraguai e 45 mil do Peru. Grande parte trabalha em condições análogas à escravidão.
 
Jordy comenta que trabalho é o que não falta e que a exploração de imigrantes ilegais é rentável para os aliciadores porque "estabelece condições precárias de trabalho e baixa os salários".
 
O foco da investigação feita pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) é a produção têxtil clandestina. Em São Paulo, 50 oficinas de costura foram fechadas pela supervisão regional do MTE. Os imigrantes tinham que trabalhar até 16 horas por dia ganhando um salário muito baixo. De acordo com o MTE, entre os empregadores estavam fornecedores de marcas conhecidas, como Zara, Gep, Gregory, Marisa e Lojas Pernambucanas.
 
Penas mais severas para as empresas
 
"A fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego feita nos últimos quatro anos impulsionou um debate sem precedentes sobre trabalho escravo e tráfico de pessoas", explica Renato Bignami, auditor-fiscal do MTE de São Paulo.
 
Atualmente, quatro diferentes CPIs acontecem em nível municipal, estadual e federal. No mês passado, a Câmara aprovou pela quarta vez a prorrogação dos trabalhos da CPI do Tráfico de Pessoas por mais 120 dias. Durante as comissões, os deputados tiveram a oportunidade de acompanhar de perto as fiscalizações do Ministério do Trabalho.
 
"Eles puderam constatar a realidade do trabalho dessas pessoas, assim como propor reformas legislativas que poderão ter algum impacto para que se mude essa realidade", comenta Bignami.
 
Do debate público, já veio alguma alteração na legislação. As empresas no estado de São Paulo podem perder o alvará de funcionamento por até dez anos caso sejam constatadas situações de trabalho escravo. Também em andamento está a PEC do Trabalho escravo, que prevê o confisco de propriedades onde for constatado abusos.
 
Após 125 anos do fim da escravidão, o Brasil parece mais uma vez enfrentar um sistema de exploração. "O fato de terem sido encontrados trabalhadores bengalis na região do Distrito Federal não quer indicar, necessariamente, uma tendência", afirma Bignami. "O trabalho escravo e o tráfico de pessoas vindas de países vizinhos é mais preocupante do ponto de vista quantitativo."
   
 

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